Certamente você já deve ter “ouvido” por aí alguém afirmar algo como “ah, mas o Brasil gasta muito dinheiro com eleições” ou ainda “para ganhar uma eleição é preciso gastar muito dinheiro”. Pois bem, ao invés de simplesmente respondermos que tais afirmações estão certas ou erradas, por que não melhor entender essa relação entre dinheiro e eleições? Aliás, você sabe de quanto dinheiro estamos falando? De que maneira esse dinheiro é usado? Ah, e sem dúvida alguma o mais importante nisso tudo, qual a relação entre dinheiro, eleições e democracia? Portanto, caro leitor, para abordar um pouco disso tudo o nosso tema hoje é financiamento eleitoral.
Fontes de financiamento no Brasil
No Brasil, desde as eleições municipais de 2016 e gerais de 2018, basicamente são duas as formas de financiamento permitidas pela justiça eleitoral: a) o financiamento privado; e, b) o financiamento público.
O financiamento privado diz respeito às doações realizadas por pessoas físicas, de maneira individual ou coletiva (como vaquinhas pela internet), diretamente para partidos políticos e/ou candidatos. Também se refere ao dinheiro que os próprios candidatos investem em suas campanhas.
Já o financiamento público, ou seja, bancado pelo Estado, é dividido em (i) Fundo Partidário (FP) e o (ii) Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC). Ambos são distribuídos pela justiça eleitoral aos partidos políticos a partir de um conjunto de regras, entre elas, a que leva em consideração o tamanho do partido no Congresso Nacional – quantas cadeiras proporcionalmente o partido ocupa entre os 81 senadores e os 513 deputados federais.
Vamos aos dados
Segundo o portal de estatísticas eleitorais do TSE, nas eleições municipais de 2020, a quantia movimentada foi de quase 10 bilhões de reais - considerando apenas eleições ordinárias. Todavia, o aporte eleitoral realizado é menor, ainda que vultoso, sendo cerca de R$1,7 bilhão de recursos privados e R$2,1 bilhões de recursos públicos, totalizando R$3,8 bilhões. A diferença entre os quase R$10 BI e os R$3,8 BI é devido ao fato de que os partidos políticos e os candidatos quando recebem recursos eles também transacionam esses recursos entre outros partidos políticos e candidatos, na maioria das vezes buscando angariar algum apoio político, o que ocasiona uma “multiplicação de recursos”. Observe os dados na tabela abaixo.
Tabela 1 - Receita financeira declarada por partidos políticos e candidatos nas eleições municipais (ordinárias) de 2020. Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
Projeção
Para as eleições de 2024 o Congresso Nacional aprovou a injeção de R$4,96 bilhões do FEFC. Ou seja, uma quantia superior à registrada nas eleições de 2020 e a maior já registrada em eleições municipais. Vale lembrar que ainda precisam ser computados os recursos oriundos do fundo partidário e das doações privadas - o que só será possível após o término das eleições.
O dinheiro em eleições
Para onde vai todo esse dinheiro e como ele é gasto?
Como se viu nos dados acima, eleições custam dinheiro. Ao longo de uma corrida eleitoral uma série de bens e serviços são mobilizados para que os candidatos possam realizar suas campanhas. Falo aqui dos serviços de comunicação, marketing e produção de conteúdo, advocacia, contabilidade e planejamento estratégico para ficarmos só nesses. É aqui que entram os profissionais especializados em eleições como os cientistas políticos. Portanto, a profissionalização de uma campanha essencial para o pleno exercício democrático custa dinheiro.
Dinheiro, eleições e democracia
Qual é a relação disso tudo com a democracia?
Pressupõe-se que em uma democracia as eleições sejam livres, justas e competitivas. Ou seja, que todos aqueles que detêm direitos políticos possam participar se candidatando ou votando; que a corrida eleitoral e seus resultados não sejam influenciados por fatores externos; e, que todos os candidatos possam competir da maneira mais equânime possível.
Ocorre que, em uma eleição em que o dinheiro é tão importante, existem candidatos que possuem maior acesso aos recursos eleitorais do que outros. Por exemplo, candidatos já eleitos tendem a ter maiores chances de vencer uma eleição do que seus. Por possuírem maiores chances de vencerem uma eleição, recebem a maior fatia da “aposta”, ou seja, sendo mais bem financiados do que outros. E isso decorre de escolhas dos próprios partidos políticos além dos demais financiadores.
Portanto, como o dinheiro não é distribuído de maneira igual, o que acontece é que os candidatos mais bem financiados acabam levando vantagens sobre outros menos favorecidos, culminando numa espécie de competição eleitoral desigual. Afinal, a capacidade de mobilizar os bens e serviços comentados acima que tornam possível ao candidato competir, não pode ser o mesmo entre aquele que possui 1 milhão de reais e aquele que possui 10 mil reais. Nesse sentido, o que se vê é uma distorção da ideia de eleições livres, justas e competitivas, pilares de uma democracia saudável.
Por fim, para corrigir essas distorções é que a justiça eleitoral vem ao longo das últimas décadas estabelecendo uma série de regras. Entre elas, algumas discorrem sobre o percentual mínimo dos recursos do financiamento público que precisam ser obrigatoriamente distribuídos pelos partidos políticos entre candidaturas de homens, mulheres e pessoas autodeclaradas negras.
Escrito por:
Fernando Zelinski, é bacharel em Gestão Pública, mestre e doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná. Pesquisa instituições, mudança institucional e financiamento da política. Está Diretor de Pesquisa no Instituto Athenas | Está Government Affairs Associate na Political Brokers Solutions (PBS).
Sugestões de Leitura:
ALCÁNTARA, Manuel. A profissionalização da política. Tradução: Renata Oliveira Rufino. Curitiba: PPGCP-CPOP/UFPR, 2016. El Ofício de Político.
CARAZZA, Bruno. Dinheiro, eleições e poder: As engrenagens do sistema político brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
PRZEWOSRKI, Adam. Por que eleições importam? Rio de Janeiro: EDUERJ, 2021.
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