O Brasil enfrenta diversas dificuldades no campo da educação e, ao tratar sobre a educação inclusiva, os entraves aumentam consideravelmente. Esse conceito visa promover a universalização do direito à educação para todos aqueles envolvidos no processo de aprendizado, independentemente de quaisquer particularidades. Apesar da amplitude da conceituação da educação inclusiva, é comum encontrar esse termo majoritariamente associado às pessoas com deficiência. Isso acontece porque historicamente crianças e jovens com condições atípicas são estigmatizados e privados, quando não excluídos, da participação nas redes de ensino.
Atualmente, graças ao acesso à informação, promovido principalmente
pela internet, há diversos movimentos que ganham cada vez mais robustez em prol da inclusão de pessoas atípicas e com deficiência, nas escolas. Outro propulsor do tema foi o filme indiano “Como estrelas na Terra”. Dirigido por Aamir Khan e Amole Gupte, o longa mostra as dificuldades enfrentadas por uma criança atípica.
Um dos protagonistas, uma criança de oito anos, interpretada por Darsheel Safary, tem um distúrbio de aprendizagem, e um professor não-convencional, interpretado pelo próprio Aamir Khan, ajuda o garoto, através de uma abordagem não-tradicional, a se integrar à sala de aula e às situações sociais implicadas no ambiente escolar.
Professores, como o do filme, não são fáceis de serem encontrados. A estudante do terceiro ano de Pedagogia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Maria Eduarda Angelo, indica que a especialização e educação continuada sobre o tema são deficitárias entre os profissionais que lidam com crianças atípicas, o que dificulta a identificação e o trato com elas. “Nem todos os educadores possuem pós-graduação sobre a temática e as informações necessárias para trabalhar com determinadas particularidades, portanto, é uma área que deve ser constantemente estudada e problematizada”, afirma a futura pedagoga.
O Censo Escolar 2019 reforça essa questão ao apontar que apenas 6% dos professores têm formação específica para educação inclusiva, frente a uma demanda crescente de profissionais devidamente qualificados no mercado. Segundo o Anuário Brasileiro de Educação Básica (2021), 68% das escolas possuem espaços adaptados a pessoas com deficiência física. Embora o número de alunos com necessidades especiais tenha aumentado nas classes comuns no decênio 2010-2020, chegando a 88%, somente 28,3% das escolas oferecem salas com recursos multifuncionais para o desenvolvimento de alunos com diferentes necessidades.
Entre os séculos XIX e XX, a educação especial no Brasil foi uma atividade desempenhada por instituições particulares e filantrópicas, como o Imperial Instituto para Meninos Cegos (atual Instituto Benjamin Constant) e o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos (atual Instituto Nacional de Educação de Surdos), pois era um assunto frequentemente associado à medicina e à psicologia. Esse caráter medicalocêntrico e o pouco conhecimento sobre o tema isentava o governo de implementar qualquer tipo de política pública na época, o que promovia segregação e exclusão de pessoas com deficiências da sociedade e das escolas regulares.
Apenas no final do século XX, a partir de estudos voltados para essa população, é que a ideia de educação inclusiva passou a ser fomentada e disseminada em todo o mundo. A Declaração de Salamanca, de 1994, sobre Educação Especial, foi adotada no Brasil e, através dela, criou-se a Política Nacional de Educação Especial. Em 1996, surgiu a Lei de Diretrizes e Bases 9.394/96, que estipula, no artigo 59, o Atendimento Educacional Especializado (AEE) como ferramenta para auxiliar na integração de estudantes com maiores dificuldades.
Mesmo com a inclusão do conceito nas políticas públicas de educação, garantir que a teoria seja efetivada de forma equânime, ainda é uma realidade distante. Maria Eduarda alega que, dentro da universidade, o tema não é tratado com a profundidade que merece para garantir que os futuros profissionais estejam plenamente aptos a lidar com crianças atípicas adequadamente. “A teoria acadêmica, por vezes, romantiza e desconsidera a realidade das diferentes deficiências existentes, trabalhar na área da educação inclusiva não é uma ‘receita pronta’”, destaca a estudante.
As medidas previstas em lei têm como objetivo garantir não apenas a inserção física dos alunos atípicos nos espaços escolares, mas também auxiliá-lo em todos os tópicos que estão relacionados à aprendizagem e ao bem-estar do aluno, de forma que as potencialidades do estudante sejam sempre valorizadas e destacadas. Dentre as estratégias adotadas atualmente estão as provas adaptadas, com maior tempo de realização; a reposição do aluno dentro da sala de aula em locais “privilegiados”; a presença de professores auxiliares ou intérpretes; e a aquisição de materiais específicos, como livros em braile, com audiodescrição etc.
Outro ponto que merece atenção é o tipo de deficiência ou condição apresentada por cada indivíduo. Maria Eduarda destaca que há diferenças nas oportunidades e possibilidades dentro do ambiente escolar para pessoas com condições diferentes, como as físicas ou neurodivergentes. “Nas minhas vivências, senti que crianças com deficiências físicas (trabalhei com um cadeirante no ensino público), em diversos momentos não são incluídas como deveriam, apesar dos acesos aos espaços da escola”. Para ela, é necessário que a equipe pedagógica proporcione formas de fazer com que as crianças atípicas vivenciem situações que crianças típicas vivenciam, como brincar.
Escrito por:
Isabela Gusmão
Coordenadora Jornalística do Instituto Athenas
&
Ana Fonseca
Escritora do Instituto Athenas
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