A produção legislativa é um tema de interesse da Ciência Política, do Direito e outras áreas afins. Na década de 1990, cientistas políticos como Fernando Limongi e Argelina Figueiredo buscaram compreender como o poder executivo e o poder legislativo atuavam na produção legislativa na Câmara dos Deputados em um livro clássico chamado Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. Os trabalhos desses pesquisadores mostraram que a dominância na produção legislativa era do Poder Legislativo, mas quem tinha mais poder de aprovar projetos de lei era o Poder Executivo.
Ainda na década de 1990, começaram a ser produzidas pesquisas a nível subnacional, tanto na produção legislativa dos deputados estaduais, como de vereadores. Pesquisas observaram a influência dos governadores, então chamados, barões da federação, sobre a atuação dos deputados estaduais nas Assembleias Legislativas, como a pesquisa produzida por Fernando Luiz Abrucio. O termo "barões da federação" é frequentemente usado no contexto político brasileiro para se referir aos políticos influentes nos estados brasileiros, especialmente aqueles que ocupam cargos de governador ou senador. Esses políticos muitas vezes têm uma forte influência sobre as decisões políticas em seus estados e também exercem influência significativa no nível federal.
Temos um legislativo subnacional com baixa capacidade de aprovação de projetos de lei, assim como o legislativo nacional. Uma questão que surge dentro das pesquisas sobre representação de mulheres na política é como as vereadoras e deputadas estaduais atuam dentro dessas instituições políticas na produção legislativa.
Um artigo chamado “Mulher e poder: a atuação política das vereadoras na Câmara Municipal de Curitiba”, apresentou os dados de produção legislativa produzidos pelas vereadoras de Curitiba entre 2013 a 2016. A análise revelou que as vereadoras não têm priorizado temas relacionados à questão de gênero em sua produção legislativa durante esse recorte temporal. Além disso, constatou-se que, em certa medida, as vereadoras conseguem converter suas proposições em leis, mas esse sucesso é mais evidente em projetos de natureza honorífica e de utilidade pública. Embora a taxa geral de sucesso das vereadoras na transformação de projetos em leis seja de aproximadamente 43%, os projetos honoríficos representam quase 21% desse total. Isso sugere que as vereadoras estão concentrando seus esforços legislativos principalmente em propostas de reconhecimento e utilidade pública, em vez de priorizar a aprovação de projetos que abordem questões substantivas relacionadas às demandas femininas.
Os dados sobre os projetos de lei focados em questões específicas relacionadas às mulheres mostram uma realidade preocupante: há uma produção limitada nesses temas por parte das vereadoras, e poucos desses projetos conseguem ser transformados em leis. Além disso, observa-se que os projetos que são promulgados destacam uma faceta específica da feminilidade: a maternidade.
A taxa de sucesso na aprovação de projetos relacionados à temática feminina foi de apenas 22,2%, ou seja, apenas 2 dos 9 projetos apresentados foram aprovados. É significativo notar que ambos os projetos que foram transformados em leis estão relacionados à questão da maternidade. Isso sugere que, mesmo quando as vereadoras abordam questões femininas, a legislação resultante tende a se concentrar em aspectos ligados à maternidade, deixando de lado outras preocupações e demandas das mulheres.
A análise desses dados nos leva a refletir sobre as formas de representação das mulheres na política, distinguindo entre representação descritiva e substantiva. Embora haja um número significativo de vereadoras, sua presença na Câmara Municipal ainda é sub-representada em relação à proporção de mulheres na população geral. Além disso, constatamos que mesmo quando as vereadoras estão presentes, nem sempre conseguem traduzir as demandas das mulheres em políticas públicas efetivas. Quando o fazem, essas políticas tendem a se concentrar na maternidade, deixando de abordar outras realidades e desafios enfrentados pelas mulheres.
Embora a maternidade seja um tema importante e relevante para muitas mulheres, é essencial reconhecer que não é a única realidade das mulheres. Outras questões, como melhores oportunidades no mercado de trabalho, igualdade salarial, acesso à educação e saúde reprodutiva, também são cruciais para promover a igualdade de gênero e o bem-estar das mulheres.
Para uma análise mais abrangente e atualizada, seria necessário examinar dados da legislatura mais recente para determinar se projetos de lei que abordam uma variedade de questões que afetam as mulheres estão sendo aprovados. Isso permitiria uma avaliação mais precisa do compromisso político em lidar com as diversas necessidades e preocupações das mulheres na esfera legislativa.
ESCRITO POR:
Geissa Franco
Pesquisadora de pós-doutorado em Ciência Política no Inct Redem - Representação e Legitimidade Democrática. Agente Técnica no Escritório de Relações Internacionais da Unespar. Desenvolve pesquisas sobre produção legislativa e representação de mulheres na política.
REFERÊNCIAS
ABRUCIO, Fernando Luiz. Os barões da federação. Lua Nova, n.33, pp.165-190, 1994.
FIGUEIREDO, Argelina Cheibub.; LIMONGI, Fernando. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. 2ª ed. Rio de Janeiro : Editora FGV, 2001.
FRANCO, Geissa.; MELO, Jussara Cardoso de Souza; AZOLIN, Audren.; BITENCOURT, Maiane. Mulher e Poder: A atuação política das vereadoras na Câmara Municipal de Curitiba- CMC (2013-2016). Revista do Legislativo Paranaense, n.2, p. 77-95, Ago.2018
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